Tem sido entendido pela nossa recente Jurisprudência* que o fornecimento de contentores por parte dos transportadores marítimos, para nele se acondicionarem as mercadorias a serem transportadas, se traduz sempre num aluguer.
Tal aluguer, durante o período em que o contentor é carregado a bordo do navio até que o mesmo seja descarregado e entregue vazio ao transportador, no local por este designado, dentro do chamado "free time"**, poderá considerar-se incorporado no regime do transporte marítimo.
E que, apenas passado o período de “free time” sem que se tenham verificado as operações de levante, desconsolidação e entrega do contentor vazio, o valor que o transportador marítimo debita a título de “demurrages” ou “demoras” tem natureza de verdadeiro aluguer.
Isto mesmo encontra-se espelhado no Acórdão da Relação de Lisboa de 30 de Maio de 2023 quando ali é referido: “No sentido da natureza jurídica da demurrage como contrato de locação associado ao transporte marítimo, mas autónomo, pronunciou-se, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-10-2017, processo nº 79/12.2TNLSB.L1-2".
Não podemos acompanhar esta tese. É que, por um lado, a quantia diária a pagar pelo interessado na carga, seja ele quem for, não é uma quantia fixa, como na locação. Na verdade, essa tarifa vai aumentando de acordo com o número de dias que o contentor permanece em terminal. Por outro lado, na definição de frete constante das cláusulas da grande maioria dos Armadores, senão de todos, está incluindo não só o frete mas, igualmente, todos os encargos, custos e despesas pagáveis ao Transportador de acordo com a tarifa aplicável e o Conhecimento de Embarque, incluindo armazenamento e sobreestadias. Ou seja, não nos parece poder falar de qualquer contrato de locação associado ao transporte marítimo.
Em nosso entender a tarifa aplicada às demurrages constitui uma verdadeira cláusula penal.
Com efeito, o contentor constituiu hoje um meio utilizado pelos transportadores marítimos para o transporte de mercadorias. Qualquer imobilização do contentor para além do tempo concedido ao interessado na carga para proceder às operações de levantamento, desconsolidação e entrega do mesmo vazio, implica para o transportador marítimo a impossibilidade da sua utilização para outros transportes.
* Veja-se entre outros o Acórdão da Relação de Lisboa de 30 de Maio de 2023 no processo 58/20.6TNLSB
** Tempo concedido pelo transportador no porto de descarga para que o interessado na carga possa levantar o contentor, desconsolidá-lo e entregá-lo vazio